quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PORTUGUÊS, Ó MALMEQUER...


Cronologicamente, de forma simplificada, a novela que envolve o seleccionador nacional de futebol, Carlos Queirós, pode ser descrita do seguinte modo:

1. Portugal teve uma prestação no Campeonato do Mundo, na África do Sul, condizente com a qualidade do nosso futebol, mas inferior ás expectativas de muitos dirigentes e comentadores.
2. No regresso a casa, a Federação Portuguesa de Futebol considerou a prestação portuguesa como boa e pagou ao seleccionador o prémio contratualmente previsto, pela passagem à fase seguinte da competição.
3. Só que vários dirigentes, federativos e não só, (todos? alguns? vá lá saber-se...), o que desejavam, no íntimo, era verem-se livres de Carlos Queirós, sem lhe pagarem a indemnização contratual, prática que muitos trabalhadores deste país bem conhecem, existindo, apenas, a pequena maçada de terem que encontrar justa causa para o despedimento.
4. Sucede que, a Autoridade Antidopagem decidiu, durante o estágio da selecção, na Covilhã, iniciar um controlo ás 7 da manhã, quando os jogadores ainda estavam a descansar, o que não terá agradado ao seleccionador nacional.
5. E porque estivesse com os azeites, entendesse que a culpa era da senhora, ou por um qualquer outro motivo, Carlos Queirós terá mandado um dos elementos da brigada, aparentemente o seu presidente, Luís Horta, fazer uma visita à senhora sua mãe.
Só que o fez em linguagem mais condizente com a dos trabalhadores da estiva, quando querem mandar um homem à fava...
6. Horta, para quem o uso de palavrões tem o efeito de lhe recordar os tempos em que andava na escola, de bibe imaculadamente branco, foi fazer queixinhas ao Conselho Nacional de Antidopagem, do qual, por coincidência, é presidente.
7. Os membros do CNAD, figuras do meio desportivo, médico e governamental, cujo aparelho auditivo é particularmente sensível a obscenidades, consideraram que a eventual ofensa não só não podia ficar impune, como constituíra, em si mesma, um entrave ao exercício da actividade da brigada.
Aliás, consta que, alguns jogadores, nada acostumados a ouvir, ou proferir palavrões, admitiram abandonar o estágio da selecção, evitando submeterem-se ao referido controlo, como pretendia Queirós.
8. Vai daí, o CNAD queixou-se ao Governo, na pessoa do Secretário de Estado do Desporto, que logo se apressou a considerar grave, não só a alegada ofensa à honra da senhora, como a eventual possibilidade de tentativa de fuga ao controlo.
A fim de que fossem tomadas as medidas disciplinares adequadas, decidiram entregar o assunto ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.
9. Analisado o processo e ouvidas as testemunhas, o Conselho de Disciplina logo ilibou Carlos Queirós da tentativa de obstruir o trabalho da brigada de controlo, os jogadores juraram que já tinham ouvido aqueles palavrões, mas condenou o seleccionador com um mês de suspensão e uma multa de mil euros, por ofensas a Luís Horta.
Claro que, a ofensa, a ser verdade o que vem na comunicação social, terá sido feita à mãe de Luís Horta, e não ao próprio, mas, ou porque o filho tomou as dores da mãe, ou porque tinha procuração para o efeito, ficou assim mesmo.
10. Queirós, que continua a jurar que não injuriou ninguém, aliás, há muito boa gente que se cumprimenta dessa forma, como bem ilustrou o presidente do Futebol Clube do Porto, Pinto da Costa, uma das testemunhas de defesa arroladas pelo seleccionador, anunciou que ia apresentar recurso da decisão do Conselho de Justiça, embora não parecesse muito desagradado com a decisão.
11. Mas eis que, quando a coisa parecia que ia ficar resolvida, surge um novo inquérito, desta vez instaurado pela Federação, a propósito da entrevista que o seleccionador deu ao jornal Expresso, acusando Amândio de Carvalho, vice-presidente administrativo da Federação, de emprestar a cabeça aos tentáculos de um imaginário polvo, que visava afastá-lo do cargo.
Uma ofensa gravíssima, sem dúvida, não só porque emprestar a cabeça a um conjunto de tentáculos faz um mal terrível à saúde, mas também porque se trata de um dirigente que nunca esteve envolvido em quaisquer problemas, quando chefiou a comitiva portuguesa.
Essa coisa de Saltillo foi uma invenção da comunicação social, e nada mais natural do que um dirigente dizer que não gosta do seleccionador nacional. Basta ver o exemplo da França...
12. E como se não bastasse, indignada com a irresponsável decisão do Conselho de Disciplina, a Autoridade Antidopagem, com o surpreendente parecer favorável do CNAD, voltou atrás e resolveu avocar a decisão, retirando-a da órbita federativa.
Não só porque, em seu entender, Queirós colocou entraves à actividade da brigada, diz-se que já tinha um autocarro pronto para embarcar os jogadores e realizar o treino na doca seca da Lisnave, como mil euros não é multa que se preze, para lavar a honra da mãe do seu presidente.
13. Enquanto o pau vai e vem, o seleccionador nacional continua suspenso, corre o risco de ver alargada a suspensão, até 4 anos, e Portugal vai disputar dois jogos da fase de apuramento para o Campeonato da Europa, um dos quais com a Noruega, seu concorrente directo, na busca de uma vaga que dê direito à presença na fase final.
Mas é claro que nada disto tem importância nenhuma, quando tenhamos em atenção a perda da utilidade pública desportiva, por parte da Federação Portuguesa de Futebol, por incumprimento da legislação em vigor, ou a defesa da honra da mãe do presidente da Autoridade Antidopagem, que, por mero acaso, também é o presidente do CNAD.

Feita a descrição, sumária, dos factos, fica demonstrado que, não só não existem argumentos que possam justificar qualquer outra forma de resolver o problema, como esta é a melhor maneira de o fazer, senão a única.
A ofensa da honra, sobretudo de uma senhora, merece um castigo exemplar, além de que é preciso que o seleccionador nacional aprenda que é feio dizer palavrões, com excepção do concelho do Porto, por motivos históricos, que não se brinca com a Autoridade Antidopagem, que é uma autoridade, por definição, e que é obrigatório o dever de respeito pelos actuais dirigentes federativos, particularmente pelo vice-presidente Amândio de Carvalho, atendendo aos relevantes serviços prestados ao futebol nacional e ao País.
Uma polémica desgraçada em volta deste assunto, Queirós suspenso, decisões avocadas, inquéritos a correr, a selecção nacional sem treinador, mas nada que constitua motivo de incómodo, ou preocupação, como se apressou a explicar Laurentino Dias, o Secretário de Estado do Desporto, afirmando que "as coisas são o que são...não se escolhem momentos para que existam processos".
Acordei e ouvi, ao longe, a voz do saudoso Raul Solnado entoando uma melodia que o imortalizou:
"Português, ó malmequer, em que terra foste semeado..."

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